terça-feira, 4 de novembro de 2008

- AMAR -


Que pode uma criatura senão, entre criaturas, amar?

Amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?

Sempre, e até de olhos vidrados, amar?

Que pode, pergunto, o ser amoroso, sozinho, em rotação universal, senão rodar também, e amar?

Amar o que o mar traz à praia, o que ele sepulta, e o que, na brisa marinha, é sal, ou precisão de amor, ou simples ânsia?

Amar solenemente as palmas do deserto, o que é entrega ou adoração expectante,
e amar o inóspito, o cru, um vaso sem flor, um chão de ferro, e o peito inerte,
e a rua vista em sonho, e uma avede rapina.

Este o nosso destino: amor sem conta, distribuído pelas coisas pérfidas ou nulas,
doação ilimitada a uma completa ingratidão, e na concha vazia do amor a procura medrosa, paciente, de mais e mais amor.

Amar a nossa falta mesma de amor, e na secura nossa
amar a água implícita, e o beijo tácito, e a sede infinita.


Carlos Drummond de Andrade.

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